sábado, 12 de março de 2011

Sal


O apartamento ficava de costas para a praia. Da janela, tudo que se via era a rua. Quando se queria olhar na direção do mar – porque o cheiro do sal e as ondas que de vez em quando se ouvia provocavam (para não contar o pressentimento do horizonte) – via-se a parede da cozinha, o armário embutido, cor de creme, meio velho, meio sujo, e o interruptor.

Então café era feito, porque se estava na cozinha. Ou então saía-se a rua, virava-se de costas, e caminhava-se até a praia.

Já bastava a sensação de dar as costas. A maresia de repente atingindo em cheio seu alvo. E no entanto era torturante a ideia de que – eventualmente – seria preciso retornar a casa, a cozinha, e preparar o café enquanto se ouvia as ondas, enquanto areia e sal se desprendiam do corpo junto com a pele morta.


(Arte: Luiz Cadaval)

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